Thursday, August 05, 2004

Uma andarilhada noturna...

Ao som de All About You, de Eric Johnson...
Aqui mando um antigo texto, que já provocou muitas inquietações, discussões e breves reflexões...

Cá mando, pra colocar esse "Sentimento de Mundo" aqui na tela da Web,

Com os Abraços Franciscanos,

Do inquieto,
F.B.
Na noite de sábado para domingo, andarilhando de volta pra casa na cidade de Santo André, me encontrava pensativo, introspecto, contemplando minha consciência que, nesses momentos de estar consigo mesma ela recebe as visitas inóspitas de sons, ruídos, vozes e imagens que imprimem o universo absurdo e surreal que forma a nossa psiquê...
E andarilhava, andarilhava...
Passei por uns barzinhos lá no bairro Jardim. Um moço distraído numa das mesas acabou se assustando comigo, pois do nada, em meio ao escuro acabei aparecendo, e ainda com uma camisa parecida com a do Freddy Krueguer (acho que é assim que escreve...) e isso me chamou a atenção para ficar por ali...
Daí, comecei a espiar as pessoas que estavam nos bares, espiar só por espiar...perceber a multiplicidade de personalidades, as ambiguidades que o ser humano carrega dentro de si e espelha em seus gestos físicos, olhares e sorrisos...
A minha primeira impressão foi a de que mesmo muitos estando acompanhados dos amigos, desfrutando de uma cerveja, contando as situações mais engraçadas ou mesmo trágicas, notava que em seus olhos eram (e continuam sendo...) inquietos, buscavam sempre "achar" alguém, vivem procurando algo que não sabem direito o que é, um instinto de "caça" sobrevinham do íntimo deles e os delatavam através dos gestos que procuravam, inconscientes ou não, uma forma de afirmar-se como seres humanos. O que é saudável, até certo ponto.
Isso me leva a lembrar uma peça do Samuel Beckett, chamada "Esperando Godot" que narra através do texto desse grande escritor, essa espera humana que é composta por pessoas tremendamente solitárias. E eles procuram e esperam Algo ou Alguém...no caso, Godot, mas não sabem quem é direito e ainda nem sabe o porquê o que buscam realmente.
Vi muitos casais e amigos se abraçando, beijando e tendo os seus efêmeros momentos de prazer. Via muitos deles presentes em seus estilos, formas e conversas, mas alguns, quer dizer, em muitos notava que era muito longínqua a transparência no espírito. Notavam que muitos embora fisicamente presentes, estavam ausentes no espírito do grupo.
Continuando minha caminhada, chegando perto de casa, o frio foi me apertando, resolvi "cortar" caminho por um bairro aqui ao lado que não tenho costume de andarilhar...e fui continuando a minha espiada noturna, percebendo as casas, notar o visual, a construção, o design arquitetônico...
...notei que muitas salas estavam sendo iluminadas com a televisão, havia muita gente acordada...e isso, lá pelas duas horas da manhã...
Mas houve uma cena que me marcou muito. Estava passando quando vi que em uma das casas a janela da sala estava entreaberta e com a luz acesa. Andando mais devagar pela rua, vi que um homem, um senhor de uns 60 anos estava sentado no sofá. O que mais me chamou a atenção foi o olhar deste homem. Ele olhava pra TV, só que com certeza não estava assistindo o que passava na tela. O olhar havia profundência, nostalgia, estava longínquo, com uma leve "paletada" de melancolia, notava que estava perdido em si-mesmo. Os olhos denunciavam alarmantemente isso.
Também como os olhos do pessoal do barzinho.
Delatava a SOLIDÃO que todos eles sentem, esse vazio que é como um buraco negro que está sendo dilatado mais e mais...
Daí, caminhando pra casa e já chegando ao ninho de descanso, comecei a levar minha consciência (ou é ela que me leva???) à reflexão:
Será que os homens têm consciência da solidão que eles sofrem?
Que ela é mais profunda do que imaginamos?
E que como colocamos falsos "ban-daids existenciais" (televisão, rádio, namoros de um dia...) pra tapar esse mal-estar que o homem sofre (ainda...) nesse começo de século?
Ou...
Será que essa é uma impressão que tenho é uma exteriorização, um reflexo da solidão que sinto e procuro disfarçá-la nessas palavras que digito no teclado?
Noto que a solidão não é a ausência de pessoas, mas é a ausência de uma Pessoa. Pois vejo que mesmo com a multidão, ou mesmo com seus amigos, família, relacionamentos saudáveis, há pessoas que são tremendamente solitárias. Ela, a solidão, tem um fator que transcende a questão física. Ela também é espiritual. Parece que há a falta de Algo que foge dos nossos graus de amizade, de bondade e das virtudes humanas.
É essa falta que brota do íntimo do coração, esse "Quê Transcendente" que o homem sente uma ausência aonde o homem não consegue disfarçar e que nos gestos, acabam delatando-se.
Creio que o homem tem que dar a si mesmo a oportunidade de parar. Parar. De ter um encontro consigo mesmo. Mesmo que isso mostre fantasmas, enfrentar os assombros da alma e o sentimento de impotência que urge de nosso ser. E diante desse vazio dar lugar a um Outro que, na verdade, é mais intimo a nós do que nós a nós mesmos.

E da solidão, dar lugar à solitude.
Solitude é diferente da solidão. É um momento que parando toda a nossa atividade externa, damos atenção ao nosso íntimo. De ter um encontro também com um Outro. De descobrir no silêncio e na oração, o Amor e a Companhia de Deus. De um Deus que transcende a religião e que é experimentado não nas grandes festividades religiosas ou em êxtases promovidos nos cultos. Mas sim, descobri-lo em um lugar aonde estamos paulatinamente num processo alienativo, que é dentro do nosso coração.

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