Wednesday, September 05, 2012

Diário Espiritual - 29.06.2012 - Uma breve oração.


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Aqui envio um trecho do meu "Diário Espiritual". A pedido de uma amiga. E assim, que vá um Bom Sopro. Uma verdade que se pontua nesses dias, emquanto caminho nessa Terra de Viventes.

Abraço Fraterno,

B.

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Uma Trindade em Cor transbubstanciada pela Presença do Branco Magnetizado pelo Amor do Um.


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29.06.2012.


Abba, Abba tão pouco Amado...

...a minha vontade é ir pro meio do mato com o Evangelho de João e, silenciosamente, desfrutar, untar-me e me dissolver em Tua Presença. Enfim, mergulhar em Vós.

Pra variar, as legiões com suas vozes, essa "Babel" com vozes que desconheço, numa linguagem pouco ou nada compreensível que procura sempre, com esse carater de fuga, me afastar mais e mais de Ti. E de me destruir.

Perco-me. Uma baita dificuldade de ir ao Essencial: me converter, voltar-me Àquele que que muito desconheço. Ainda me encontro muito caótico, Abba. Não há cosmos, ordem, simetria, beleza nesse caos que vivencio, que sou...ambulante...

Mas, eu sei, Abba...mesmo se for pro mato, em um ambiente tranquilo, essa bagunça vem comigo.

Traga-me então...o dom e a dádiva do Silêncio. Ser tomado e agasalhado com a Tua pele, reconhecer os Teus movimentos, e:

"em seu Silêncio agudo e incisivo, que talha a alma e o coração,
me fizeste Tela Viva em tuas mãos de Artista e me impressiona,
Tua exatidão, Tua precisão."

...assim, me conhecer em Ti.

Pai, transmuta essa saudade que tenho, que sangra...em oração. Tenho saudades da Mainha. Cuide dela, Abba. Cuide dela. Manifesta o Teu Amor, mesmo nessa debilidade cognitiva, fisiológica e psíquica dela...

Mainha em Lauro de Freitas - Salvador - 2012.

...e cuida dessas feridas que se revelam na minha pele, alma, espírito e nesse corpo inquieto....

...traga-me forças, vontade de viver, que o pouco que eu faça, faça bem. E pra Ti, Sumo Bem.

Abba,

Eu tentei, eu tentei cuidar de Mainha. Me cansaram, Abba. Agora e hoje, fortifica-me em Ti.

Força pra viver, trabalhar e amar. Tenho dificuldade em amar, Abba.

Toma a minha Escuridão. Creio, que para Ti, é o que tenho de mais autêntico e verdadeiro. Essa verdade, essa Escuridão me oprime, desvincula, fragmenta...a Tua Verdade, é esse Alguém que me liberta. A Verdade que me liberta, não é uma liberdade adoecida, embora a minha liberdade é adoecida...

Oh! Verdade que me liberta, ata-me à Ti!

Será Abba...que parte dessa obscuridade que carrego, é um "jogo" paraque eu não me perca em conceitos petrificados sobre a Tua Pessoa?

Quebre os conceitos, revela-me o Teu Amor.

Cá estou,

Em Ti,

Em Teu Filho,

Em Teu Santo Espírito que habita no peito,

B.

Garoto em Fundo Preto.
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Friday, March 25, 2011

Liturgia da Palavra: Uma fonte de água que jorra para a vida eterna
Por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração
SÃO PAULO, quinta-feira, 24 de março de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos o comentário à liturgia do próximo domingo – III da Quaresma Ex 17, 3-7; Rm 5,1-2. 5-8; Jo 4, 5-42 – redigido por Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração (Mogi das Cruzes - São Paulo). Doutor em liturgia pelo ‘Pontificio Ateneo Santo Anselmo’ (Roma), Dom Emanuele, monge beneditino camaldolense, assina os comentários à liturgia dominical, às quintas-feiras, na edição em língua portuguesa da Agência ZENIT.

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DOMINGO III DA QUARESMA

Leituras: Ex 17, 3-7; Rm 5,1-2. 5-8; Jo 4, 5-42

Jesus disse à mulher: “Dá-me de beber”.... A mulher disse a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede “(Jo 4, 7; 15). Poderíamos resumir nestes dois intensos pedidos recíprocos, o longo diálogo entre Jesus e a mulher de Samaria junto do poço de Jacó.  Ainda mais, neles poderíamos reconhecer o eco da longa e dramática história da incessante busca de Deus pelo homem e da procura, às vezes mesmo que confusa, do homem por Deus. Deus está sedento do homem, e o homem fica sedento de Deus. Melhor, Deus, ao procurar o homem no seu amor, desperta nele a sede de si. 

O grito de Jesus na cruz, Tenho sede” (Jo 19,28), é seguido imediatamente pelo jorrar das últimas gotas de sangue e de água do seu lado transpassado. Delas traz origem e vida o novo povo de Deus, o “admirável sacramento da Igreja”, como se exprime uma antiga oração da liturgia romana, moldada sobre o pensamento de Santo Agostinho, e retomada pela constituição sobre a liturgia, Sacrosanctum Concilium n. 5. 

O grito de Jesus no ato da sua doação suprema diz que esta sede de Deus pelo homem não está placada: a história desta busca divina fica aberta para sempre. O grito se torna um urgente apelo para o homem tomar consciência que também seu coração fica sedento por Deus, para sempre. A sede de um pelo outro constitui a alma mais profunda e secreta da inteira história humana:O Espírito e a esposa dizem: ‘Vem!’. Que aquele que ouve diga também: ‘Vem!’. Que o sedento venha, e quem o deseja, receba gratuitamente água da vida” (Ap 22, 17). 

Deus está à procura do homem desde suas origens, quando o colocou no jardim, irrigado pelos quatro rios e rico de árvores e de frutos, como no seu “lugar natural”, entregue ao seu cuidado e responsabilidade (cf. Gn 2, 8-15). Ali o chama e o espera, como meta do seu longo peregrinar e sofrer. Os redimidos pelo sangue do Cordeiro e que se fizeram seus seguidores alcançam enfim a felicidade plena no novo jardim da ressurreição:nunca mais terão fome, nem sede, o sol nunca mais os afligirá, nem qualquer calor ardente; pois o Cordeiro vencedor da morte os apascentará, conduzindo-os até as fontes da água da vida” (Ap. 16-17).

Jesus convida todo sedento ao encontro pessoal consigo mesmo, com a promessa que do interior de quem o procura com fé jorrarão rios de água viva”, isso é o Espírito, dom primeiro da sua ressurreição, e herança dos batizados (cf. Jo 7,37-39). Dele nasce todo desejo, toda aspiração à plenitude, toda força para perseverar na procura do objetivo que se deixa vislumbrar na esperança.

O batismo mergulha o cristão na própria nascente da água viva, que continuará a fecundar a sua inteira existência. 

Experiência de plenitude, e ao mesmo tempo urgência de uma sede insaciável, expressão de uma fé às vezes incipiente, que cresce com o progresso do amor, e leva consigo a força para perseverar que é própria  da esperança.Ao pedir à samaritana que lhe desse de beber, Jesus lhe dava o dom de crer. E, saciada sua sede de fé, lhe acrescentou o fogo do amor” (Prefácio do Domingo). E a esperança, ao longo do caminho, não decepciona na sua tensão rumo à plenitude, poiso amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (2ª leitura, Rm 5, 5).   

Agora amamos na esperança – comenta Santo Agostinho - todavia possuímos as primícias do Espírito, e talvez de algo mais. Aproximamo-nos de quem amamos e, embora por uma gotinha, já provamos e saboreamos aquilo que avidamente comeremos e beberemos” (Sermão 21,3; LH IV, pg 478).

Os exegetas ressaltam que o trecho de Jo 4, 5- 42 é estruturado através de uma linguagem simbólica muito complexa e rica de alusões teológicas e espirituais, que emergem a partir da experiência concreta e do diálogo de Jesus com a mulher de Samaria. No pano de fundo da narração do encontro, o evangelista deixa ressoar a grande experiência histórica e espiritual dos patriarcas de Israel, cujo caminho é direcionado na fé pelo próprio Deus, através de providenciais encontros dos protagonistas, junto dos poços do deserto. 

Ao colocar o encontro perto do poço de Jacó nos arredores de Samaria, João deixa vislumbrar que Jesus realiza a aliança, ansiada pelos patriarcas e descrita pelos profetas como casamento de Deus com Israel, no amor e na fidelidade. No tempo do messias, ela seria estendida de Israel para todos os povos, representados pelos samaritanos, considerados infiéis e semi-pagãos. 

Este horizonte de sentido fundamental do evento introduz o leitor e a nova comunidade na dimensão da aliança pascal e universal do ministério e da morte e ressurreição de Jesus. Ela vive para dar testemunho do amor salvífico e universal de Deus para com todos os homens e as mulheres, qualquer que seja a condição deles. Mesmo os “samaritanos”, os diversos, os problemáticos, os excluídos, segundo as categorias sociais e religiosas vigentes, são destinatários deste amor que “tem sede” de todos, e a todos oferece a possibilidade de encontrar a “água que dá vida”, aquela que no fundo eles estão procurando mesmo em seus desvios. Esta atitude de procura, benevolência e misericórdia marca toda a atividade e a pregação de Jesus, e será razão de escândalo para os “bem-pensantes” sociais e religiosos, e causa não última de sua decisão de matar Jesus.   

Ao pedir água à mulher de Samaria, para saciar sua sede, é o próprio Jesus a se aproximar, partilhando a mesma fraqueza e necessidade dela e de todo homem e mulher. Com seu gesto desperta a consciência dela para a procura mais profunda que ela traz consigo, e acaba oferecendo à sua fé o manancial perene do Espírito que brotará dentro ela mesma (Jo 4, 13-15). 

“Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mt 11, 28-30).

O encontro revela paulatinamente toda a sua dimensão pascal, e deixa entender a razão pela qual, desde as origens das comunidades apostólicas, este evento tão central no evangelho de João assumiu uma função tão importante na catequese do batismo e no caminho da iniciação cristã: encontro pessoal com Jesus que suscita a fé e abre a uma procura sem fim do sentido da própria vida e de Deus, profissão da fé em Jesus salvador e filho de Deus, vida renovada no Espírito que se torna o verdadeiro culto a Deus, testemunho e missão, que se irradia espontaneamente da experiência da boa nova libertadora vivenciada na relação com Jesus. 

No evento das núpcias de Caná, por sua vez cheio de sentido pascal e pré-anúncio da aliança nova e eterna, Jesus já tinha mudado a água em vinho, símbolo da transformação da pequenez do homem para a superabundância divina. O evangelista frisa que este foi o primeiro sinal em quem Jesus manifestou a sua “glória” divina, solidária com os homens e que despertou a fé dos discípulos (Jo 2, 12).  

Na preparação das oferendas para a eucaristia está um pequeno rito, talvez percebido por poucos, sobretudo no seu significado simbólico. É o gesto com que o sacerdote derrama algumas gotas de água no cálice, misturando-as com o vinho. O gesto litúrgico vai além da solidariedade transformadora de Jesus nas núpcias de Caná, assim como no encontro-intercâmbio com a samaritana. O vinho e a água misturados são apresentados ao Senhor, para que pela força vital da sua Palavra e do Espírito Santo, sejam transformados no sangue vivo de Cristo que sacia a sede do seu povo. Pois é a páscoa do Senhor a nascente perene da água viva.

Jesus abre esta animadora perspectiva também para o caminho da nossa vida. Um caminho sujeito a tantas provações, tentações, fadigas, e mesmo desvios, como testemunha a dura experiência de Israel no deserto, embora tivesse já experimentado a fiel providência de Deus (1ª leitura - Ex 17, 3-7). Porém, no fundo de si  mesmo, este incerto vagar guarda a saudade da sua nascente e da sua meta, mesmo quando acaba perdendo o contato com a nascente da água viva, para construir com suas próprias mãos cisternas rasgadas, atraído por projetos que se revelam inconsistentes e vazios.  

É forte a admoestação do profeta:O que encontraram os vossos pais em mim de injusto, para que se afastassem de mim e corressem atrás do vazio, tornando-se eles mesmos vazios?” (Jr 2, 5). “Meu povo cometeu dois crimes: eles me abandonaram, a mim, fonte de água viva, para cavar para si cisternas, cisternas furadas, que não podem conter água” (Jr 2, 13). O salmista, porém, interpreta com esperança o que permanece ao fundo do coração e que pode abrir novos caminhos: Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando voltarei a ver a face de Deus?” (Sl 42,3). 

De onde estamos atingindo nossa água: do manancial vital do Espírito que fica jorrando dentro de nós, ou das cisternas rasgadas que o mundo nos proporciona ?

As razões da esperança e da alegria permanecem mesmo na inextricável textura das fraquezas e das falhas. Vinde, exultemos de alegria no Senhor, aclamemos o rochedo que nos salva!... Porque ele é o nosso Deus, nosso pastor, e nós somos seu povo e seu rebanho, as ovelhas que conduz com sua mão” (Sl. 94, Responsorial).

A sociedade moderna se torna sempre mais secularizada. Para muitas pessoas Deus é o “ausente”. Uma recente análise sobre a situação da pessoa na nossa sociedade destaca que o homem contemporâneo, todavia, mesmo no drama das situações existenciais, espera conhecer e encontrar não simplesmente a volta do “sagrado” no sentido genérico, mas o Deus dos viventes e que dá a vida. Ele busca a Deus, sente nostalgia da sua presença. 

A nostalgia nasce das desilusões deixadas pelo que foi imaginado e seguido como “deus”, capaz de satisfazer a sede de sentido da existência. Também as oportunidades de melhoria material e as propostas culturais da nossa época se estão manifestando insatisfatórias, em relação à fome e à sede mais profunda do coração humano. Re-emerge com insistência a necessidade de dar sentido a uma vida, mais rica de oportunidades materiais e ao mesmo tempo tão frágil, e quase desertificada interiormente. Meu alento já vai se extinguindo, e dentro de mim meu coração se assusta... A ti estendo meus braços, minha vida é terra sedenta de ti” (Sl 143,4.6).

A experiência do nosso tempo confirma a antiga e sempre atual confissão de Santo Agostinho: Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está nosso coração enquanto não repousa em ti” (Confissões, Livr.1, 1; LH do 9º Domingo do Tempo Comum).

A aspiração mais profunda, consciente ou menos, que habita o coração do homem e da mulher é o desejo da vida, do bem, da felicidade. Este desejo se torna uma “invocação incessante” para seu cumprimento.

Teu desejo é a tua oração; se o desejo é contínuo, também tua oração é contínua... Se teu desejo é contínuo, a tua voz é contínua. Ficarás calado, se deixares de amar. ... Se o desejo permanece, também permanece o gemido; este nem sempre chega aos ouvidos dos homens, mas nunca está longe dos ouvidos de Deus”  (Santo Agostinho, In Psalmos 37,14; LH IV, 264). 

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Friday, December 31, 2010

Frei Betto...

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" A Divindade colara-se nele por dentro da pele, retorcera-se como cobra dentro de cada um dos seus ossos, diluía-se em suas veias, transpirando por cada um dos seus poros. Isso o tornara tão assustadoramente livre que o tornara em pecador temerário. Cumulado de Amor, trafegava na contramão o itinerário dos eleitos e acolhia os que sentiam condenados por céus e terras. Abraçara o Cristianismo por ser uma religião de pecadores e não de santos. E nele aprendera o teofágico exercício do seguimento de Jesus Cristo. Enfim, depositara sua segurança nesta última certeza: podia ir à merda, chafurdr-se no lodo, recair vergonhosamente, merecer o repúdio de todos os olhares, cambalear andrajoso entre preceitos e conveniências, como um gato sobre a mesa de cristais e procelanas, pois Deus, à semelhança dessas mulatas de feira, obesas, carcomidas pela vida árdeua, e que por uma dádiva do destino encontram um homem para amar, iria buscá-lo, ampará-lo, trazê-lo rastejando para casa e, resmugando, com o peito contido em mágoa, inchado de dor, passaria a noite cuidando dele"

 (Frei Betto. Extraído do livro "O dia de Ângelo")

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Monday, December 27, 2010

Homilia do Bento XVI - 24 de dezembro de 2010

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MISSA DA MEIA NOITE

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR

HOMILIA DO SANTO PADRE BENTO XVI

Basílica Vaticana
24 de Dezembro de 2010

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Amados irmãos e irmãs!

«Tu és meu filho, Eu hoje te gerei» – com estas palavras do Salmo segundo, a Igreja dá início à liturgia da Noite Santa. Ela sabe que esta frase pertencia, originariamente, ao rito da coroação do rei de Israel. O rei, que por si só é um ser humano como os outros homens, torna-se «filho de Deus» por meio do chamamento e entronização na sua função: trata-se de uma espécie de adopção por parte de Deus, uma acta da decisão, pela qual Ele concede a este homem uma nova existência, atraindo-o para o seu próprio ser. De modo ainda mais claro, a leitura tirada do profeta Isaías, que acabámos de ouvir, apresenta o mesmo processo numa situação de tribulação e ameaça para Israel: «Um menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros» (9, 5). A entronização na função régia é como um novo nascimento. E, precisamente como recém-nascido por decisão pessoal de Deus, como menino proveniente de Deus, o rei constitui uma esperança. O futuro assenta sobre os seus ombros. É o detentor da promessa de paz. Na noite de Belém, esta palavra profética realizou-se de um modo que, no tempo de Isaías, teria ainda sido inimaginável. Sim, agora Aquele sobre cujos ombros está o poder é verdadeiramente um menino. N’Ele aparece a nova realeza que Deus institui no mundo. Este menino nasceu verdadeiramente de Deus. É a Palavra eterna de Deus, que une mutuamente humanidade e divindade. Para este menino, são válidos os títulos de dignidade que lhe atribui o cântico de coroação de Isaías: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz (9, 5). Sim, este rei não precisa de conselheiros pertencentes aos sábios do mundo. Em Si mesmo traz a sapiência e o conselho de Deus. Precisamente na fragilidade de menino que é, Ele é o Deus forte e assim nos mostra, face aos pretensiosos poderes do mundo, a fortaleza própria de Deus.

Na verdade, as palavras do rito da coroação em Israel não passavam de palavras rituais de esperança, que de longe previam um futuro que haveria de ser dado por Deus. Nenhum dos reis, assim homenageados, correspondia à sublimidade de tais palavras. Neles, todas as expressões sobre a filiação de Deus, sobre a entronização na herança dos povos, sobre o domínio das terras distantes (Sal 2, 8) permaneciam apenas presságio de um futuro – como se fossem painéis sinalizadores da esperança, indicações apontando para um futuro que então era ainda inconcebível. Assim o cumprimento da palavra, que tem início na noite de Belém, é ao mesmo tempo imensamente maior e – do ponto de vista do mundo – mais humilde do que a palavra profética deixava intuir. É maior, porque este menino é verdadeiramente Filho de Deus, é verdadeiramente «Deus de Deus, Luz da Luz, gerado, não criado, consubstancial ao Pai». Fica superada a distância infinita entre Deus e o homem. Deus não Se limitou a inclinar o olhar para baixo, como dizem os Salmos; Ele «desceu» verdadeiramente, entrou no mundo, tornou-Se um de nós para nos atrair a todos para Si. Este menino é verdadeiramente o Emanuel, o Deus-connosco. O seu reino estende-se verdadeiramente até aos confins da terra. Na imensidão universal da Sagrada Eucaristia, Ele verdadeiramente instituiu ilhas de paz. Em todo o lado onde ela é celebrada, temos uma ilha de paz, daquela paz que é própria de Deus. Este menino acendeu, nos homens, a luz da bondade e deu-lhes a força para resistir à tirania do poder. Em cada geração, Ele constrói o seu reino a partir de dentro, a partir do coração. Mas é verdade também que «o bastão do opressor» não foi quebrado. Também hoje marcha o calçado ruidoso dos soldados e temos ainda incessantemente a «veste manchada de sangue» (Is 9, 3-4). Assim faz parte desta noite o júbilo pela proximidade de Deus. Damos graças porque Deus, como menino, Se confia às nossas mãos, por assim dizer mendiga o nosso amor, infunde a sua paz no nosso coração. Mas este júbilo é também uma prece: Senhor, realizai totalmente a vossa promessa. Quebrai o bastão dos opressores. Queimai o calçado ruidoso. Fazei com que o tempo das vestes manchadas de sangue acabe. Realizai a promessa de «uma paz sem fim» (Is 9, 6). Nós Vos agradecemos pela vossa bondade, mas pedimos-Vos também: mostrai a vossa força. Instituí no mundo o domínio da vossa verdade, do vosso amor – o «reino da justiça, do amor e da paz».

«Maria deu à luz o seu filho primogénito» (Lc 2, 7). Com esta frase, São Lucas narra, de modo absolutamente sóbrio, o grande acontecimento que as palavras proféticas, na história de Israel, tinham com antecedência vislumbrado. Lucas designa o menino como «primogénito». Na linguagem que se foi formando na Sagrada Escritura da Antiga Aliança, «primogénito» não significa o primeiro de uma série de outros filhos. A palavra «primogénito» é um título de honra, independentemente do facto se depois se seguem outros irmãs e irmãs ou não. Assim, no Livro do Êxodo, Israel é chamado por Deus «o meu filho primogénito» (Ex 4, 22), exprimindo-se deste modo a sua eleição, a sua dignidade única, o particular amor de Deus Pai. A Igreja nascente sabia que esta palavra ganhara uma nova profundidade em Jesus; que n’Ele estão compendiadas as promessas feitas a Israel. Assim a Carta aos Hebreus chama Jesus «o primogénito» simplesmente para O qualificar, depois das preparações no Antigo Testamento, como o Filho que Deus manda ao mundo (cf. Heb 1, 5-7). O primogénito pertence de maneira especial a Deus, e por isso – como sucede em muitas religiões – devia ser entregue de modo particular a Deus e resgatado com um sacrifício de substituição, como São Lucas narra no episódio da apresentação de Jesus no templo. O primogénito pertence a Deus de modo particular, é por assim dizer destinado ao sacrifício. No sacrifício de Jesus na cruz, realiza-se de uma forma única o destino do primogénito. Em Si mesmo, Jesus oferece a humanidade a Deus, unindo o homem e Deus de uma maneira tal que Deus seja tudo em todos. São Paulo, nas Cartas aos Colossenses e aos Efésios, ampliou e aprofundou a ideia de Jesus como primogénito: Jesus – dizem-nos as referidas Cartas – é o primogénito da criação, o verdadeiro arquétipo segundo o qual Deus formou a criatura-homem. O homem pode ser imagem de Deus, porque Jesus é Deus e Homem, a verdadeira imagem de Deus e do homem. Ele é o primogénito dos mortos: dizem-nos ainda aquelas Cartas. Na Ressurreição, atravessou o muro da morte por todos nós. Abriu ao homem a dimensão da vida eterna na comunhão com Deus. Por fim, é-nos dito: Ele é o primogénito de muitos irmãos. Sim, agora Ele também é o primeiro duma série de irmãos, isto é, o primeiro que inaugura para nós a vida em comunhão com Deus. Cria a verdadeira fraternidade: não a fraternidade, deturpada pelo pecado, de Caim e Abel, de Rómulo e Remo, mas a fraternidade nova na qual somos a própria família de Deus. Esta nova família de Deus começa no momento em que Maria envolve o «primogénito» em faixas e O reclina na manjedoura. Supliquemos-Lhe: Senhor Jesus, Vós que quisestes nascer como o primeiro de muitos irmãos, dai-nos a verdadeira fraternidade. Ajudai-nos a tornarmo-nos semelhantes a Vós. Ajudai-nos a reconhecer no outro que tem necessidade de mim, naqueles que sofrem ou estão abandonados, em todos os homens, o vosso rosto, e a viver, juntamente convosco, como irmãos e irmãs para nos tornarmos uma família, a vossa família.

No fim, o Evangelho de Natal narra-nos que uma multidão de anjos do exército celeste louvava a Deus e dizia: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que Ele ama» (Lc 2, 14). A Igreja ampliou, no hino «Glória...», este louvor que os anjos entoaram à vista do acontecimento da Noite Santa, fazendo dele um hino de júbilo sobre a glória de Deus. «Nós Vos damos graças por vossa imensa glória». Nós Vos damos graças pela beleza, pela grandeza, pela tua bondade, que, nesta noite, se tornam visíveis para nós. A manifestação da beleza, do belo, torna-nos felizes sem que devamos interrogar-nos sobre a sua utilidade. A glória de Deus, da qual provém toda a beleza, faz explodir em nós o deslumbramento e a alegria. Quem vislumbra Deus, sente alegria; e, nesta noite, vemos algo da sua luz. Mas a mensagem dos anjos na Noite Santa também fala dos homens: «Paz aos homens que Ele ama». A tradução latina desta frase, que usamos na Liturgia e remonta a São Jerónimo, interpreta diversamente: «Paz aos homens de boa vontade». Precisamente nos últimos decénios, esta expressão «os homens de boa vontade» entrou de modo particular no vocabulário da Igreja. Mas qual é a tradução justa? Devemos ler, juntas, as duas versões; só assim compreendemos rectamente a frase dos anjos. Seria errada uma interpretação que reconhecesse apenas o agir exclusivo de Deus, como se Ele não tivesse chamado o homem a uma resposta livre e amorosa. Mas seria errada também uma resposta moralizante, segundo a qual o homem com a sua boa vontade poder-se-ia, por assim dizer, redimir a si próprio. As duas coisas andam juntas: graça e liberdade; o amor de Deus, que nos precede e sem o qual não O poderemos amar, e a nossa resposta, que Ele espera e até no-la suplica no nascimento do seu Filho. O entrelaçamento de graça e liberdade, o entrelaçamento de apelo e resposta não podemos dividi-lo em partes separadas uma da outra. Ambas estão indivisivelmente entrançadas entre si. Assim esta frase é simultaneamente promessa e apelo. Deus precedeu-nos com o dom do seu Filho. E, sempre de novo e de forma inesperada, Deus nos precede. Não cessa de nos procurar, de nos levantar todas as vezes que o necessitamos. Não abandona a ovelha extraviada no deserto, onde se perdeu. Deus não se deixa confundir pelo nosso pecado. Sempre de novo recomeça connosco. Todavia espera que amemos juntamente com Ele. Ama-nos para que nos seja possível tornarmo-nos pessoas que amam juntamente com Ele e, assim, possa haver paz na terra.

Lucas não disse que os anjos cantaram. Muito sobriamente, escreve que o exército celeste louvava a Deus e dizia: «Glória a Deus nas alturas…» (Lc 2, 13-14). Mas desde sempre os homens souberam que o falar dos anjos é diverso do dos homens; e que, precisamente nesta noite da jubilosa mensagem, tal falar foi um canto no qual brilhou a glória sublime de Deus. Assim, desde o início, este canto dos anjos foi entendido como música vinda de Deus, mais ainda, como convite a unirmo-nos ao canto com o coração em júbilo pelo facto de sermos amados por Deus. Diz Santo Agostinho: Cantare amantis est – cantar é próprio de quem ama. Assim ao longo dos séculos, o canto dos anjos tornou-se sempre de novo um canto de amor e de júbilo, um canto daqueles que amam. Nesta hora, associemo-nos, cheios de gratidão, a este cantar de todos os séculos, que une céu e terra, anjos e homens. Sim, Senhor, nós Vos damos graças por vossa imensa glória. Nós Vos damos graças pelo vosso amor. Fazei que nos tornemos cada vez mais pessoas que amam juntamente convosco e, consequentemente, pessoas de paz. Amen.

Wednesday, December 15, 2010

O Natal e (os) Nós...

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"...e ela deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na sala (ou alojamento, estrebaria)." (Bíblia de Jerusalém)

"...e ela deu à luz a seu filho primogênito, envolveu-o em panos, e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria." (Bíblia de Thompson)

Evangelho de Lucas 2: 7

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Estamos nos Advento. Dentro do calendário litúrgico organizado pelos cristãos, preparamos a nossa vida e consciência para a reflexão - e vivência - de uma memória: a vinda do Salvador entre nós.

No entanto, mesmo entre os religiosos, ateus, agnósticos e os que professam outra fé, todos mergulhados num mundo onde a pressa, consumo e a alienação de si - e do outro - são altamente cultuados, instala-se, em nosso coração, um mal-estar. Porquê diante de tantas gostosuras, luzinhas enfeitando as árvores natalinas e os (des)encontros promovidos pelas famílias ao redor da mesa, nota-se uma fome não saciada na boca da alma, suscita-se as dobras de ressentimento, diante da estupidez gratuita de nossos parentes, somada as flagelações verbais que, relembrando, cometemos no cotiano. E estranhamente, surge um dúbio sentimento, de um bem que se esvai do coração da gente e, ambiguamente, esse desejo de abraçar e alçar um Bem ao mundo. Mas, com o coração infiltrado por essa angústia "natalina", encerra-se mais um ano, e sabe-se lá o porquê, catapulta-se em nós esse vazio e enfim, diante de tanta confusão em nossos sentimentos e ações, o que temos que comemorar nesse Natal?

Jesus Cristo, muitas vezes mal-configurado pela religião dogmática e pouco cultivado numa relação viva e íntima em nosso cinzento dia-a-dia, vivência que espelha-se como no texto de Lucas. Maria, fragilizada com as dores no parto, exilada, longe do conforto de casa, dá a luz ao Deus que se ultra-fragilizou num ventre materno. Deus que pede colo e o seio materno pra se alimentar. Ora, não tendo onde descansar, o menino-Deus dorme não em um berço e sim numa manjedoura, ambiente sujo e inóspito para uma criança, lugar este onde os bois e cabras se alimentam. Não muito diferente do coração humano. E o texto continua: "...não havia lugar para eles na sala (ou hospedaria). Nada diferente do coração humano.

Só que se prestarmos atenção, foi Ele que escolheu nascer nesse ambiente e conviver entre nós. O nosso olhar não deve cristalizar-se somente no ambiente. E sim, numa Presença. A Presença do Maravilhoso, Conselheiro, Deus-Forte, Pai da Eternidade, o Príncipe da Paz está entre nós! Nos alegremos! Deus não escolheu um lugar especial pra ficar. Ele não vaticanizou ou institucionalizou a Sua vinda. Ele escolheu estar entre gente, entre os Seus.

Assim, neste mundo, caminhamos, trôpegos, nesse labirinto escuro de escolhas efêmeras - comidas e consumo excessivo - mas, contrariamente, vemos um anseio silencioso e inquietante em nossa alma, essencial, o desejo de Luz e desfrute do Absoluto.

Num mundo cheio de ruídos e barulhos, silenciar-se chega a ser falta de educação. O coração humano carece de períodos de silêncio pra se recompor. É como na vida de casal. Silêncio para ouvir ao outro, olhar nos olhos e buscar uma tentativa de aprofundar nossos pífios relacionamentos.

E assim, entramos na dimensão da oração. O que é oração? Talvez seja esse monólogo íntimo que, aos poucos, se transfigura num diálogo. Balbuciar poucas palavras, que sendo autênticas, quebra os espelhos ilusórios que construímos para nos afirmar cotidianamente. Não há a necessidade de afirmação em Cristo, só Amizade e Amor. Há excesso de palavras desnecessárias no dia-a-dia, como expressa T.S. Eliot em Quarta Feira de Cinzas: "Se a Palavra perdida se perdeu, se a palavra usada se gastou..."

Natal só tem sentido em Cristo. Jesus Cristo é o Aniversariante. É Ele que nos convida para uma festa, a festa-em-si não tem valor se a Presença de Jesus não for efetiva. Jesus que nos ama, é pouco amado e nos convida a amar o outro. O outro além dos nossos vínculos parentais, são aqueles que muitas vezes "fugimos" da presença - no trabalho, dentre outros - por mágoas, ressentimentos e medo. Ser uma presença efetiva entre os que fogem dos padrões sociais e estéticos, os pequeninos que estão na rua, a carta ao presidiário e uma visita aos debilitados física e psiquicamente.

Porque Ele veio para dar Vida à todos. E vida em abundância. Que o nosso coração, mesmo sendo uma manjedoura, abrigue esse Jesus, a alegria dos homens, que no fim, encarnou-se para ser nosso acolhedor, Amado e Salvador.

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Tuesday, July 20, 2010

Agradeço...

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Agradeço pela luz que acende

Agradeço pela chuva que cai

(...)

Agradeço pela porta aberta

Agradeço pela outra que fechou

(...)

Agradeço porque estás em toda parte

Porque podes estar com todos

que eu não posso não.


Agradeço

Letra e música: Silvia Mendonça.



1. Gratidão.

Gratidão. Gratidão é uma palavra - e não uma ação – pouco exercida cotidianamente, uma "quase falsidade" evocada mecanicamente na oração (in)consciente expressa aleatoriamente diante da mesa: "Senhor, obrigado por esse alimento, Amém."

Declara-se, outras vezes, o "agradecimento" quando há grandes "conquistas" exemplificadas com o carro 0 km, a casa nova, o novo cargo no emprego...deixo muito claro que tais conquistas não são "más", infelizes ou incorretas. Nunca, isso nunca. São boas. O que vejo acontecer muitas vezes é que nas ambíguas intenções humanas o objeto do "homem grato" torna-se um totem, um objeto de culto, um semi-deus. E ainda com a "benção" de Deus! E assim, adeus à Deus...e o umbigo, símbolo da imagem egóica humana...se salienta. Aumenta. O sujeito e o seu objeto de culto perdem-se nessa simbiose diabólica...o homem e suas posses.

Mas, desejando moldar o olhar e assim, tentar trazer nossos olhos e o coração para um outro foco, desejoso de olhar para a gratidão por um outro prisma. Na verdade, não é nem por um outro prisma ou ótica. É olhar para o lado. É olhar para os olhos e o coração de alguém. De alguém que te fez um bem. E humildemente agradecer. Agradecer para alguém não pelo objeto em si apenas - que tem sua grande importância - porém, além disso, é o fato ter ampliado ao outro o pensamento, boas intenções, companhia, dinheiro - sim, gente, dinheiro - se inteligentemente bem usado - é abençoador, em frutífero cuidado mútuo. Além disso, zelo, boa companhia e ocupações voltadas para um alguém, para um sujeito. Contudo, principalmente, a presença – muito além do objeto - essa santa presença desses agentes do Cuidado Divino. Isso é incrível. Arrebatador. Abraço de Amigo. Abraço da Trindade.



2. Momento.

A dor física, psíquica e até moral empurrou-me para um ostracismo voluntário. Ostracismo que primeiramente envolto em transtornos de humor, tristeza profunda e euforias homéricas que tateavam a senilidade, e assim, dentro desse descaminho, isolei-me até de mim mesmo. Desconhecia-me numa amplitude inter-galágtica. Durante anos, alguns expressos silenciosamente e outros sendo delatados através das fluoxetinas, tremedeiras, clomipraminas, torpor físico e psíquico, diazepan's, dores musculares e ósseas, insônias, valium's...meu Deus!, confesso que os calmantes benzodiazepinicos são deliciosos! Porém, como serpente que fisga a carne humana e solta vagarosamente o mortal veneno, veneno que entorpecia a consciência, acalmando o peito angustiado e ambiguamente se consagrava em meu íntimo um delicioso alívio. Adiava um mórbido desejo de "saltar no escuro". Quem acordou - ou acorda - com um intenso desejo de morte invadindo a luz matutina e os pensamentos da consciência compreende - muito bem - o que estou dizendo.

Nesse isolamento - como ilha num arquipélago oceânico - muitas foram as incompreensões. "Vagabundagem", diziam alguns. "Ah! Ele lê demais e fica colocando minhoca na cabeça..." dizia uma "bispa" de uma seita neo-pentecostal num programa de TV. Meu Deus!, quanta insensibilidade ao olhar a alma e condição física humana! "Ele é assim mesmo..." de soslaio, repreendiam outros. E no efeito diante de tais afirmações, dilatava-se o abismo do isolamento. Um inferno onde ninguém habitava. A maculada percepção turvada pelas sombras, os tons de loucura e as medicações que impediam a consciência, alma e corpo perceber e desfrutar da Presença Divina.

Aliás, mudada a perspectiva, creio que esse tempo onde houve esse Silêncio Divino, expresso por São João da Cruz, a "Noite Escura da Alma" - Noite essa que dentro da doutrina sanjuanista não é o efeito depressivo e sim, purificação da percepção e dos apetites do corpo e da alma para o acolhimento da Divindade no humano. Além da amplitude do Amor à Pessoa Divina, creio que foi uma estratégia essa desconstrução das imagens moldadas na minha pobre alma e, fragmentando essa idéia esculpida, Deus Se rompe do "mármore" revelando-Se – ainda em parte - e o Espírito sopra e passeia - sem minhas infelizes e pobres elocubrações, racionalidades e toscas imagens - possuindo meus músculos e alma em Amor. Abismático Amor. Profundo Amor. Amor que excede todo o entendimento.

3. Ágape, Philia e Eros...

10 meses, 4 dias e algumas horas. É o tempo que me "limpo" dos efeitos das medicações e procuro com consciência limpa, a ajuda do Dr. Márcio Molinari, psiquiatra e homeopata - aqui também agradeço ao meu primeiro psiquiatra, Dr. Francisco Lotufo, baita intelectual e médico - o abraço e amor da Elfa, como chamo carinhosamente a Silvia Mendonça – apelido que retirei de uma prosa em casa com o Silvestre Kuhlmann - mulher quando desconhecida, compôs a melodia "Cego de Jericó" que eu balbuciava em meus terrores noturnos* e hoje, essa Elfa me traz o abraço, o cheiro, cuidado e carinho que agrega forças pra caminhar nessa paulatina e contínua construção afetiva e pessoal. Do cego de Jericó ao lesado de Santo André. Ao Rogério Pereira, pelas ligações insistindo para sair, as conversas, as partilhas, enfim...dentro da minha "toca" existencial e geográfica, sempre lembrando que não estou só, me convidando ao frequente "êxodo de si mesmo" me ensinando - na prática - a dádiva de ter amigos. A Selma Nogueira, Stênio Marcius, Simone Pinheiro e ao Silvestre Kuhlmann que no “olho do furação” me amaram e acolheram diversas vezes na “Toca da Selma”, no Butantã. Aos meus primos Evandro e Rodrigo, pela dádiva de ouvir (embora o Rodrigo fale pra cacete!). Ao Wagner Castilho, que nesse retorno ao “mundo dos vivos” trouxe a amizade, confiança e a credibilidade para trabalhar idéias e sonhos juntos! Não desiste de mim não, meu irmão! Ao Ricardo e a Camilla, que creio que são o motivo mais forte - muito além das aulas de Filosofia Antiga e Medieval, disciplinas que amo! - da cansativa viagem aos Pimentas, bairro onde estudo, na Unifesp na cidade de Guarulhos. Ao Pai Ivo da Trindade que me deu forças e oportunidade de estudo. Ele, lá longe, junto com a esposa, percebia que tinha alguma coisa estranha. E me abraçaram. Eu que não soube acolher tal carinho.

Aos desconhecidos, que são tantos, dentro de suas orações silenciosas, abraços acolhedores, olhares sinceros, que desconheço, instrumentos d'Ele, que só Ele sabe. Outros que são conhecidos e a minha consciência, juntamente com o tempo, falham nas lembranças.

Dentro da dor, há humanidade. Sim, há esse toque do Mistério não somente dentro de um olhar vertical, na dimensão orante. Há também o toque d'Ele, através do cuidado e da mobilidade do outro. A Encarnação e a Cruz trouxe Deus para a horizontalidade da relação entre nós e o Mistério. O Mistério – numa de suas faces - é Amor. Há ascese, há verticalidade, porém, há Graça, há um Deus que se esvazia, toma a nossa forma e olha nos olhos.

Ainda há muito caminho. Há muita história pra viver. Há muito o que trabalhar. Há muito que conviver com esses que insistem em me amar. E não somente amar o amor, e sim, aprender a amar. Amar. Enfim, Amar. Mesmo quando não amando, o Amor - e a dor - nos una à Ele e ao outro. Mais d’Ele, mais humano. Gratidão.

Bruno de Assis Oliveira

Santo André, 16 de julho de 2010.

01:23h.

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Monday, March 22, 2010

orações confusas (III parte...)

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Um pedaço do meu diário. 22.03.2010.

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"Iahweh, tu és a minha lâmpada; meu Deus ilumina a minha treva." (Salmos 18:29)

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Abba Amado,

O que - ou quem - são as minhas trevas? Sozinho, apenas com a luz da minha consciência não consigo discernir. Creio que boa parte das minhas trevas são esses ambientes em que minha alma e meu corpo não discerne a Tua Presença. Ou mesmo esses lugares onde o ódio e o mal "criam" suas raízes e habitam em ambientes tão inóspitos.

Pai, que a semente do ódio, que a semente do mal não crie raízes, tronco, caule...e muito menos, frutos. O fruto de um ser fragmentado, dividido, diabolizado, um ambulante ser do não-amor, um egoísmo tão "egolátrico" que o "deus" de culto, devoçãoé o "si-mesmo" com a própria carne, o próprio corpo devorado pelas fomes e anseios existenciais...

Ilumina-me! Traba-me a tua candeia e mostra as minhas trevas...

...será que é essa solidão mórbida, em que o outro não sacia - mesmo que brevemente - esse anseio por companhia, por completude?

...o Tempo desperdiçado?

...esses meus "eus" fragmentados?

...

Aqui estou. Sou Teu. Que a Luz seja a firme consciência da tua presença, da Tua Presença, do Teu Amor encarnado no cotidiano...

Aqui estou.

Teu,

Bruno.

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