Tuesday, July 20, 2010

Agradeço...

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Agradeço pela luz que acende

Agradeço pela chuva que cai

(...)

Agradeço pela porta aberta

Agradeço pela outra que fechou

(...)

Agradeço porque estás em toda parte

Porque podes estar com todos

que eu não posso não.


Agradeço

Letra e música: Silvia Mendonça.



1. Gratidão.

Gratidão. Gratidão é uma palavra - e não uma ação – pouco exercida cotidianamente, uma "quase falsidade" evocada mecanicamente na oração (in)consciente expressa aleatoriamente diante da mesa: "Senhor, obrigado por esse alimento, Amém."

Declara-se, outras vezes, o "agradecimento" quando há grandes "conquistas" exemplificadas com o carro 0 km, a casa nova, o novo cargo no emprego...deixo muito claro que tais conquistas não são "más", infelizes ou incorretas. Nunca, isso nunca. São boas. O que vejo acontecer muitas vezes é que nas ambíguas intenções humanas o objeto do "homem grato" torna-se um totem, um objeto de culto, um semi-deus. E ainda com a "benção" de Deus! E assim, adeus à Deus...e o umbigo, símbolo da imagem egóica humana...se salienta. Aumenta. O sujeito e o seu objeto de culto perdem-se nessa simbiose diabólica...o homem e suas posses.

Mas, desejando moldar o olhar e assim, tentar trazer nossos olhos e o coração para um outro foco, desejoso de olhar para a gratidão por um outro prisma. Na verdade, não é nem por um outro prisma ou ótica. É olhar para o lado. É olhar para os olhos e o coração de alguém. De alguém que te fez um bem. E humildemente agradecer. Agradecer para alguém não pelo objeto em si apenas - que tem sua grande importância - porém, além disso, é o fato ter ampliado ao outro o pensamento, boas intenções, companhia, dinheiro - sim, gente, dinheiro - se inteligentemente bem usado - é abençoador, em frutífero cuidado mútuo. Além disso, zelo, boa companhia e ocupações voltadas para um alguém, para um sujeito. Contudo, principalmente, a presença – muito além do objeto - essa santa presença desses agentes do Cuidado Divino. Isso é incrível. Arrebatador. Abraço de Amigo. Abraço da Trindade.



2. Momento.

A dor física, psíquica e até moral empurrou-me para um ostracismo voluntário. Ostracismo que primeiramente envolto em transtornos de humor, tristeza profunda e euforias homéricas que tateavam a senilidade, e assim, dentro desse descaminho, isolei-me até de mim mesmo. Desconhecia-me numa amplitude inter-galágtica. Durante anos, alguns expressos silenciosamente e outros sendo delatados através das fluoxetinas, tremedeiras, clomipraminas, torpor físico e psíquico, diazepan's, dores musculares e ósseas, insônias, valium's...meu Deus!, confesso que os calmantes benzodiazepinicos são deliciosos! Porém, como serpente que fisga a carne humana e solta vagarosamente o mortal veneno, veneno que entorpecia a consciência, acalmando o peito angustiado e ambiguamente se consagrava em meu íntimo um delicioso alívio. Adiava um mórbido desejo de "saltar no escuro". Quem acordou - ou acorda - com um intenso desejo de morte invadindo a luz matutina e os pensamentos da consciência compreende - muito bem - o que estou dizendo.

Nesse isolamento - como ilha num arquipélago oceânico - muitas foram as incompreensões. "Vagabundagem", diziam alguns. "Ah! Ele lê demais e fica colocando minhoca na cabeça..." dizia uma "bispa" de uma seita neo-pentecostal num programa de TV. Meu Deus!, quanta insensibilidade ao olhar a alma e condição física humana! "Ele é assim mesmo..." de soslaio, repreendiam outros. E no efeito diante de tais afirmações, dilatava-se o abismo do isolamento. Um inferno onde ninguém habitava. A maculada percepção turvada pelas sombras, os tons de loucura e as medicações que impediam a consciência, alma e corpo perceber e desfrutar da Presença Divina.

Aliás, mudada a perspectiva, creio que esse tempo onde houve esse Silêncio Divino, expresso por São João da Cruz, a "Noite Escura da Alma" - Noite essa que dentro da doutrina sanjuanista não é o efeito depressivo e sim, purificação da percepção e dos apetites do corpo e da alma para o acolhimento da Divindade no humano. Além da amplitude do Amor à Pessoa Divina, creio que foi uma estratégia essa desconstrução das imagens moldadas na minha pobre alma e, fragmentando essa idéia esculpida, Deus Se rompe do "mármore" revelando-Se – ainda em parte - e o Espírito sopra e passeia - sem minhas infelizes e pobres elocubrações, racionalidades e toscas imagens - possuindo meus músculos e alma em Amor. Abismático Amor. Profundo Amor. Amor que excede todo o entendimento.

3. Ágape, Philia e Eros...

10 meses, 4 dias e algumas horas. É o tempo que me "limpo" dos efeitos das medicações e procuro com consciência limpa, a ajuda do Dr. Márcio Molinari, psiquiatra e homeopata - aqui também agradeço ao meu primeiro psiquiatra, Dr. Francisco Lotufo, baita intelectual e médico - o abraço e amor da Elfa, como chamo carinhosamente a Silvia Mendonça – apelido que retirei de uma prosa em casa com o Silvestre Kuhlmann - mulher quando desconhecida, compôs a melodia "Cego de Jericó" que eu balbuciava em meus terrores noturnos* e hoje, essa Elfa me traz o abraço, o cheiro, cuidado e carinho que agrega forças pra caminhar nessa paulatina e contínua construção afetiva e pessoal. Do cego de Jericó ao lesado de Santo André. Ao Rogério Pereira, pelas ligações insistindo para sair, as conversas, as partilhas, enfim...dentro da minha "toca" existencial e geográfica, sempre lembrando que não estou só, me convidando ao frequente "êxodo de si mesmo" me ensinando - na prática - a dádiva de ter amigos. A Selma Nogueira, Stênio Marcius, Simone Pinheiro e ao Silvestre Kuhlmann que no “olho do furação” me amaram e acolheram diversas vezes na “Toca da Selma”, no Butantã. Aos meus primos Evandro e Rodrigo, pela dádiva de ouvir (embora o Rodrigo fale pra cacete!). Ao Wagner Castilho, que nesse retorno ao “mundo dos vivos” trouxe a amizade, confiança e a credibilidade para trabalhar idéias e sonhos juntos! Não desiste de mim não, meu irmão! Ao Ricardo e a Camilla, que creio que são o motivo mais forte - muito além das aulas de Filosofia Antiga e Medieval, disciplinas que amo! - da cansativa viagem aos Pimentas, bairro onde estudo, na Unifesp na cidade de Guarulhos. Ao Pai Ivo da Trindade que me deu forças e oportunidade de estudo. Ele, lá longe, junto com a esposa, percebia que tinha alguma coisa estranha. E me abraçaram. Eu que não soube acolher tal carinho.

Aos desconhecidos, que são tantos, dentro de suas orações silenciosas, abraços acolhedores, olhares sinceros, que desconheço, instrumentos d'Ele, que só Ele sabe. Outros que são conhecidos e a minha consciência, juntamente com o tempo, falham nas lembranças.

Dentro da dor, há humanidade. Sim, há esse toque do Mistério não somente dentro de um olhar vertical, na dimensão orante. Há também o toque d'Ele, através do cuidado e da mobilidade do outro. A Encarnação e a Cruz trouxe Deus para a horizontalidade da relação entre nós e o Mistério. O Mistério – numa de suas faces - é Amor. Há ascese, há verticalidade, porém, há Graça, há um Deus que se esvazia, toma a nossa forma e olha nos olhos.

Ainda há muito caminho. Há muita história pra viver. Há muito o que trabalhar. Há muito que conviver com esses que insistem em me amar. E não somente amar o amor, e sim, aprender a amar. Amar. Enfim, Amar. Mesmo quando não amando, o Amor - e a dor - nos una à Ele e ao outro. Mais d’Ele, mais humano. Gratidão.

Bruno de Assis Oliveira

Santo André, 16 de julho de 2010.

01:23h.

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