Thursday, October 19, 2006

Entre fechaduras e rinocerontes...< Frei Betto >

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Queridos, Amados, Amigos, Inimigos...

Hoje, apreensivo aqui emcasa com "mil coisas que povoam - e poluem - a mente e meus afazeres", me senti visitado por Deus nesse texto. Partilho ele com vocês. Partilho como pão. Texto que tem sabor. Alimenta, nutre a alma. Vida!

Qualquer tempo vazio, visitem essa "casa de letras":
www.letrasnoturnas.blogspot.com

Abraço Fraterno, de Rinoceronte,

B!


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Entre fechaduras e rinocerontes

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Há em mim uma legião de auroras. Nem sei como numa alma tão conturbada pode florescer essa luminescência que cega os olhos do espírito. Talvez seja isso a noite escura cantada pelos místicos. Talvez seja a perfeição do olhar. É como estar sedento frente ao mar. água, muita água, e no entando dela não se pode beber. Só contemplar a pele ondulosa do planeta, essa voracidade oceânica que devora todos os meus sonhos.

Por mais que eu resista, o aluvião me corrói por dentro. Ás vezes tenho ganas de descrer de todas as auroras ou acreditar que não passam de fogo-fátuo em meu oblíquo horizonte. Oh sofreguidão! O mundo lá fora engrenado em suas cobiças, essa luta insana pela sobrevivência animal e eu aqui, no aparetamento 704 do Hotel Donatello, em Modena, em pleno abril chuvoso, tentando me abrigar do frio que faz dentro de mim.

É isso, não consigo ver o que os outros enxergam, não consigo rir do que os outros acham graça, não consigo deixar de ser eu mesmo, desconfiado, taciturno, porque são muitas as minhas cismas. Por exemplo, coleciono fechaduras e fotos de rinocerontes. Fechaduras, é óbvio, servem para fechar, porque o ser humano não suporta a transparência. Precisa sempre se cobrir: de pêlo, máscaras, teto, muro, porque a nudez é uma arte que exige talento. Ainda que um homem e uma mulher estejam sem roupas, trancados num quarto, entregues às infinitas possibilidades do jogo erótico, não significa que estejam nus. Estão despidos. Nudez é outra coisa. É enfiar a faca até o cabo, arrebatar a lua com as mãos, destampar todos os recônditos da alma, os mais obscuros e ínfimos. Se nem sauportamos ficar nus diante de nós mesmos, quanto mais diante dos outros! Por isso as fechaduras deveriam estar de língua recolhida, mas quase sempre elas se projetam nos interditando.

Por que fotos de rinocerontes? Faz tempo que sonhei que eu era um rinoceronte, daqueles enormes que pesam toneladas. Locomovia-me com muita dificuldade, o que exigia paciência de todos à minha volta. Ao atravessar uma rua, eu me encontrava a meio caminho quando o sinal abria, irritando os motoristas: no cinema, precisava ocupar meia fila de cadeiras; no restaurante, comia metade do bufê.

Gosto das esferas elegíacas. Da arte que não exprime lamento, dos primitivistas que ponteiam suas telas com o talento que supera todas as formalidades acadêmicas. Sou por eflorescências. Quase toda semana irrompem em mim vulcânicas primaveras. São flores de fogo. Procuro fixá-las em retábulos e, no exercício de iluminuras, copiá-las em pergaminhos. Porque só flores e borboletas superam as obras-primas da arte universal. Mas não sou dado a caçar borboletas.

Não me agradam as idéias ajezadas. Prefiro-as despojadas, diretas, translúcidas. Há dias em que me recoljho à biblioteca do mosteiro em que vivo e passo horas comtemplando iluminuras em manuscritos antigos.

Eis que me apareceu um sonhos um homem cujos sapatos tinham bicos finos e longos; na cintura, profusão de laços; as mangas era tufadas como balões e os punhos de renda. Ele estava de pé num salão fechado por cortinas de cores brilhantes, pontilhadas de estrelas de ouro entre espaços vazios cheios de sóis. Em volta capitéis e um pesado brasonário. E ele sabia que a ataraxia é uma propriedade das mais belas esculturas.

Súbito ele começou a dançar em movimentos suaves. Não havia música, apenas uma orquestra invisível de rinocerontes imensos e diminutos, gordos e delgados, altos e baixos, pesados e lépidos. Todos traziam fechaduras em suas patas arredondadas e ao abrí-las e fechá-las imprimiam um ritomo que conduzia o dançarino. Acordado do outro lado do sonho, fiquei a me perguntar se tamanha ilogicidade que preside as emanações do inconsciente não seria a verdadeira lógica que a razão teme e repudia.

Só então compreendi por que René Descartes foi encontrrado morto na Biblioteca Nacional, em Buenos aires. Uma fina espátula prateada atravessava-lhe o coração. Suspeita-se que o assassino chamase Jorge Luis Borges, mais conhecido pela alcunha de "El Brujo".

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Tuesday, October 17, 2006

Vidas Roubadas - Luiz Mendes....

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Vidas roubadas

Chocado, Luiz Mendes entre a banalidade da vida e da morte numa cidade como São Paulo


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Numa dessas tardes em que o sol, cansado de pintar os telhados de amarelo, se infiltra por entre os edifícios, esparramando sua luminosidade irregular pelas calçadas, eu costurava o tempo com assobios ao vento. Estava subindo a rua Teodoro Sampaio, para encontrar dois cineastas que queriam comprar os direitos de filmagem dos meus livros. Estava cheio de grilos quanto ao contrato. Não sabia em quais bases acertar a venda.

De repente, não mais que de repente, como diria o poeta, fui parado pelo choque. A vida, como sempre, atrasada em encontros vazios, chegava com passos de culpa. Cheiro de pólvora queimava as narinas acidamente. No chão, um jovem baleado. Seu sangue escorria por baixo de seu corpo. Policiais o rodeavam, de armas embaladas nas mãos, como se fosse possível reação da vítima, talvez já morta.

Pessoas se aglomeravam ao redor, ansiosas. Não entendo bem essa necessidade de ver a desgraça alheia. O comentário é que ali jazia um bandido. Acontecera um assalto. A polícia interveio. Tiroteio. Aquele jovem restava ali ferido ou morto. Alguns diziam que deviam matá-lo de uma vez. Pelo menos não daria trabalho para o governo.

Fiquei olhando, ouvindo, e uma profunda compaixão me acometeu. Vítimas da violência, essa praga a flagelar o homem desde a pré-história. O jovem, vivo ou morto, aguarda a ambulância. Os policiais, em sua triste e miserável profissão de proteger, prender, ou matar; ali salivando, excitados e com sangue nos olhos. O povo sedento de sangue e emoções violentas por conta da rotina de suas vidas vazias. Eu, ali pregado ao chão, sem conseguir me afastar daquela desgraça toda.

Às vezes, o gozo da liberdade, após tantos anos na prisão, como tem sido meu caso, é o mesmo que uma pessoa que sabe que vai morrer. A vida assume uma gravidade que pulsa envolta em escuro e fumaça. Tudo fica elástico como sustenidos e plástico como bemóis. Corpúsculos, neutrinos e fotons ficam como ventos desorientados a voar borboletas.

Os nós da ignorância parecem ser aos poucos desatados. O sofrimento humano fica próximo, cada vez mais próximo. Tudo brilha como relâmpago. As cores, de tão vivas, explodem e dominam os olhos a ponto de não conseguir fechá-los. Toda palavra atravessa e trava na garganta. Às vezes, como nesse pequeno grande encontro com a morte, mais uma vez, sou apenas um homem que quer chorar, sem soluções.

Sempre desejei viver na ponta da existência. Busquei desenvolver um sentir central das coisas e, nessas ocasiões, vejo o tempo escapulir de mim. Ruídos inaudíveis me remetem ao impensável. Nós somos assim, toda vida é continente que se perde em horizontes e ilhas.

Continuei andando, agora solidamente, perdendo-me entre vitrines e carros que quase me atropelavam. Como é dolorido tudo isso! Tudo deixa de acontecer lá fora e parece que é dentro de mim que acontece. Sobreviverá o jovem ferido? Já não estará morto? A multidão conseguirá ultrapassar a curiosidade mórbida e chegar à sensibilidade? E eu, quando deixarei de pensar, imaginar e passarei a viver? E o que importa?
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Monday, October 09, 2006

Bem-me quer ou mal-me-quer?

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Bem-me quer ou mal-me-quer?
(Bruno de Assis)

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A Amizade, que é essa busca - e um possível encontro - de unidade com o outro, traça-se na linha tênue das relações cotidianas. Nietzsche, em "Assim falou Zaratustra", em um dos seus aforismos, dizia, "A nossa fé nos outros revela aquilo que desejaríamos acreditar em nós mesmos. O nosso anseio por um amigo é nosso delator". A amizade agregada - não todas as vezes - com uma dádiva misteriosa, incogniscível, que é o Amor. Em diversas perspectivas relacionais, há os amigos, que se unem por uma empatia de desejos, gostos, trabalho...mas não há amor. Porém, onde há Amor há amizade. Amizade profunda, profícua. Há amigos mais "chegados" que o irmão de sangue ou de vida fraterna.

A amizade reflete esse desejo de unidade com o outro, esse íntimo e escondido anseio por complementaridade. Diferente das relações políticas - melhor, politiqueiras - nas quais a troca de favores, influências e articulações prevalecem sobre os graus de amizade, confiança, lealdade, unidade de afetos que são demonstrados na amizade pura. Sem trocas, apenas na livre doação de si para a gratuita dádiva de estar com o outro.

Agostinho de Hipona, traça a seguinte reflexão "Nós amamos o amor, mas não sabemos amar". E isso indica que na amizade há o risco do erro. - tanto o nosso como do outro - e somada a nossa patética tentativa de projetar o amor que sentimos pelo outro. No grego, há o termo "Phylia" que focaliza o amor no sentido fraterno, da amizade e não como traçado no Ocidente, onde o Amor é um termo abstrato, imanente, ausente de sentido e significado nunca encarnado. E quando "encarna-se" há sempre um teor sexual.

Na peça "Entre Quatro Paredes" do filósofo e dramaturgo Jean Paul Sartre , através um dos personagens que expõe "O inferno são os outros", ali era profetizado o mal-estar que também é gerado no encontro com o outro. Percebemos isso frequentemente na vida em sociedade na qual a relção do humano foi trocada pelo objeto.

Hoje, os apartamentos são arquipélagos de solidões.

Poucos são os que rompem a fronteira dessas "ilhas" e simples como pombas, porém, prudente como as serpentes, promovem a dáviva - e o raro - encontro com o outro, apenas devendar e saber quem é - de verdade - o outro. Percebemos, que boa parte das relações são diabólicas. Diabo, vem do grego "diabolos", que significa divisor, des-união. E isso é ótimo para o "deus mercado", arquitetado e comandado pelo "Capetalismo". Frustrado, o homem busca a unidade em um objeto inanimado, como o carro, rádio, "zapelar" diante da TV....e o vazio é dilatado. Lembrando que o Vazio sempre retorna. Com mais intensidade.

Tomás de Aquino, dominicano do século XIII, dizia que quando se silencia, - o que é totalmente fora dos padrões contemporâneos - o homem pára para estar consigo mesmo, ele pode "encontrar um outro que conhece a mim, mais do que eu conhço a mim mesmo, e no entanto, Ele revela a minha verdadeira identidade". Assim, em Unidade, o Homem encontra-se em aberto a encontros saudáveis, sem barganhas, politicagens e disposto a oferecer ao outro o que há melhor em si.
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Paz & Bem!
B!
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Thursday, October 05, 2006

Vazio, Nada & Idéias Perdidas....


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Vazio, Nada & Idéias Perdidas....
(Bruno de Assis)
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Uma breve reflexão numa tarde de Quinta Feira,

Abraços,

B!
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"Será como o faminto que sonha que está a comer, mas, acordando, sente a alma vazia;
ou como o sequioso queestá a beber, ainda desfalecido se acha, e sua alma com sede."
(Profeta Isaías)

Vazio. Seres Vazios. Somos assim.

Somos de uma geração que foge do Vazio. Somos de uma geração que foge do desconforto. Somos de uma geração que dentro do reduto religioso, afirma, "Se você sente um Vazio, aceite a Jesus no seu coração, que Deus preencherá esse Vazio."
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Pausa pra algo mais pessoal.
Não somente aceitei, muito além disso, tenho um Eterno Caso de Amor com a Trindade.
O tempo passou. Parece que a "equação" tornou-se obsoleta. Antiquada. Incompactuada.
Do nada, o Vazio retornou. Intenso. Abismal. Buraco-Negro na Alma.
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Os mais conservadores e fundamentalistas alegam que, se estamos assim, expressam: "estás desviado dos caminhos do Senhor". Outros, expoem através do olhar o não-saber - logo, o vazio - de lidar com a situação. Mandaram procurar um psícólogo ou conversar com o pastor, padre ou amigo íntimo.

Creio que quando há a dádiva do encontro consciente com Deus, (pois muitos tem o encontro, só ainda não caiu a ficha!), percebemos que há um teor mais profundo do Vazio Existencial que é preenchido. Essa consciência de um Deus abraça, aninha, acolhe, aconselha e preenche um ambiente bem profundo da nossa alma, há um teor tranquilizador. Isso é verdade e perceptível quando essa Graça é encarnada no cotidiano.

Mas, nós, seres humanos, somos esse Universo-em-si-mesmo, que nas milhares constelações distribuídas nas galáxias do nosso espírito, distribuem-se também zilhares de buracos-negros nas regiões inconfessas da nossa alma. Regiões que há porções do Vazio. Vazio de Amor, de conhecimento, de amizades...Vazio tão grande que até a Luz é desviada pra esse ambiente tão obscurecido.

O Vazio não é um mal-em-si. Creio que ela é parte do gênero humano, como salienta Simone Weil, "Aceitar uma Vazio em si mesmo é sobrenatural. Onde encontrar a energia para uma ato sem contrapartida? A energia deve vir de outra parte. Porém, é preciso
primeiro um rompimento, algo de desesperado, é preciso que um vazio se produza. Vazio: Noite Escura."

Diante do Vazio, do Nada, posso ter duas direções;

A primeira - que é a mais frequente - é a de preencher o Vazio de forma superficial, Projetando o ser numa falsa imagem ou inflacionar o Ego pra não mostrar as securas da nossa alma. Ou mesmo entrar num processo ultra-egocêntrico, tornando todas as coisas e pessoas num fim-em-si-mesmo. Como as "ficadas", onde o companheiro é um objeto, fruto dos meus desejos egoístas e não alguém em que me preocupo e partilho conversas, brigas e até o prazer. Há outros que diante do mal-estar que o Vazio provoca em muitos momentos, emulam esse estado de espírito em suas relações...

A Segunda, que segue-se numa linha muito tênue, podemos buscar unidade diante do Vazio. É encontro com a nossa humanidade através da oração, do silêncio e da Solitude. É partilhar o Amor no e com o Outro, numa troca saudável, sem "roubar" ou "sugar" - seja o físico e a energia - do outro. É a bondade, que não se transmuta em ação que aguarda um futuro retorno. É domínio próprio, procurando não transmitir o germe da maldade e da auto-destruição que macula as nossas ações e escolhas.
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Essa é uma breve reflexão.
Paz & Bem!
B!
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