Monday, January 15, 2007

Uma viagem na madrugada....

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Uma viagem.
Quem lê, entenda.
Beijo, beijo,
B!
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Sentia o corpo. Os ossos latejando indo de encontro à alma, sêca, famélica e brutalizada.

Final da tarde. Recolhia o cansaço do dia. Alegrias, frustrações e outros sentimentos não-definidos foram jogados junto ao corpo exausto debaixo das cobertas.
Era um daqueles que rejeitava o Mundo e, talvez por consequência, o Mundo o rejeitava. Não compreendia essa engrenagem que o sistema impõe. Roupas da marca, kit eletrônico (ter o melhor computador, o celular da moda...), isso, pensava, até era fácil...não se preocupava com essas infelicidades humanas. Olhava para si e percebia que muitas mudanças só podiam se elas, como vulcão, explodissem do íntimo. A oportunidade de ser colocado pelo lado avesso, de carregar a cruz - talvez seja a tentaviva de ser autêntico, mesmo com o incômodo dos outros - e assim, carregou em seus sonhos as ansiedades do coração.
Outro dia, levantou-se, descansado. Alongou os frágeis músculos, foi até a cozinha, e na geladeira, pegou a caixa de leite e em gargalos sôfregos, bebeu o líquido.
Olhou sua mala de trabalho. Ligou a TV. Zapeou alguns programas, desligou. Deitou no sofá, olhou para o alto. Levantou, pôs as mãos na cabeça. Respirou fundo e exclamou:
- Maldição!
Percebia que seu emprego era o mais rejeitado, consagrado por pouquíssimos. Maldito e Divino. Trazia a Alegria e assim era Maldito e mal-dito por todos. Transmitia Graça e sabe-se lá o porquê, muitos julgavam que era vagabundo, o importunavam, perguntando se ele não sabia fazer outra coisa.
E não sabia mesmo.
Saiu andando do seu trailer e foi para uma praça desconhecida.
Gostava de ficar horas, parado, sentado nas praças e pelos botecos das cidades por onde passava e observar - de formar mais profunda - os seres humanos. Espiar os casais namorando, a mãe andando - ou brigando - com os filhos, as palavras absurdas ditas pelos profetas/excluídos das praças - os mendigos - e assim, percebia como o Homem arquitetava o seu meio, que ele era o arquiteto do momento. Se desejasse, podia provocar mal-estar quando parasse, olhando nos olhos de um trausente e dizia:
- Seu paralelepípedo fora do trono!
E era o que fazia. Gostava de perceber o estranhamento das pessoas. Outrora, não dizia frases ilógicas. Apenas chegava perto das pessoas e implorava:
- Me dá um abraço? Vamos, me dá um abraço.
Poucos cediam. Muitos rejeitavam.
- Olha só, - falou - se as pessoas não sabem mais oferecer os braços, imagine o coração. E assim voltava para o seu banco.
Duas e meia da tarde. Precisava trabalhar. Andou vagamente e sentiu um cheiro conhecido, mas não tão acolhedor. Cachaça. Deu dois passos, parou. mais alguns passos, deu meia volta. chegou ao balcão e pediu ao desconhecido:
- Uma dose, por favor.
O desconhecido, de forma hostil, colocou o copo, deixou cair um pouco de pinga na mesa, resmungou umas palavras e saiu. Pegou o copo e bebeu, sôfrego, como o leite.
Voltou ao trailer, pegou a mala de trabalho. Chegou ao camarim.
Louco ou palhaço?
Artista ou Demente?
Ambos, Ambos.
Porém, ele não sabe de nada.
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