Saturday, August 13, 2005

Conto....à Caminho de Olimpo.

Conto:
Caminho de Olimpo
Outrora, M., voltando pra casa, pensava nas “tropeçadas existenciais” que afligia o espírito, e nesse momento em que estava quase só, era novamente, bem ou mal, acompanhado pela consciência, juntamente com as imagens e ruídos que se somam lá nos meandros da mente...uma azáfama inconsciente.Lembrava quando à pouco se despedia do Professor Hermes e da Professora Nilse. Logo após a aula de pintura, ambos conversavam sobre um assunto que fugia do universo das paletas.
M., só espiava.
Discutiam sobre a importância que temos que dar à nossa historicidade pessoal, sempre lembrar dos momentos que a Vida interfiriu em nossas existências e que tivemos plena consciência desse frequente acontecimento, pois Ela, a Vida sempre está interferindo em nossa história individual e coletiva, mesmo nós não tendo total ou parcial consciência do fato e que nos momentos de dificuldade, a memória é uma das forças-motores que nos fazem levar a nossa vida pra frente, buscando imprimir um sentido e conseguir vislumbrar, mesmo em nossas incertezas, o futuro.
Ele não entendera nada e não quis atrapalhá-los. Achava esses artistas dementes. Sentia-se bem no meio deles. Se despediu.
Carregava um Quadro que tinha pintado e ia levar para uma exposição. Estava feliz, era a primeira vez que ia expor o seu trabalho artístico.
Descendo a ladeira, ouve um barulho de motor. Saiu correndo indo atrás do veículo coletivo, mas não o alcançou. Aliás, nem o viu. Baixou a cabeça, respirou fundo, olhou para o lado e falou:
- Vamos?
E M., foi indo com um cachorro magrelo, dos olhos esbugalhados, carinhoso e companheiro que o acompanhara desde a saída da Aula de Artes.
Só que havia um quê de diferente, algo que permeiava dentro de M., uma Sensação, um Sentimento que fugia do comum. Não sabia discernir se era Medo ou Insegurança. Na dúvida, já estava atravessando o Vale...com o Companheiro Canino ao lado.
Passando pela Rua das Delícias, encontrara duas Ninfas Noturnas que trabalham por ali. Uma delas o reconhecera e fez um aceno. Parou e uma delas se lançou num forte abraço. Começaram a conversar. - Belas e Profanas - pensou, sempre minguando das dificuldades que encontram na Vida e no Vale, outrora falavam de coisas engraçadas, satíricas e talvez dionisíacas. Porém, logo após ele achava tudo estranho, pois parecia que se conhecíam há anos...ele não se lembrava dela e numa hora distraída, o Medo fez uma visita frequente dentro de si, afinal, estava sozinho. Quer dizer, com o Companheiro Canino entregue ao sono.
Houve um momento que percebendo uma delas, N., notou que ela, embora forçava, não imprimia um jeito vulgar, "aberta" para novas situações, seus gestos eram discretos e o olhar que havia um quê de Maldito e Angelical, havia Autodestrutividade e Anseio de Plenitude, um pedaço de Divino e Mefistofélico, havia Algo Oculto.
M., olhando nos olhos da Lilith do Vale, mudou o tom da voz.
- Porquê você se encontra aqui?
Ela, num jeito maroto e malicioso, com os cabelos negros desalinhados e olhando com um tom felino para o companheiro de M., expressou:
- Para acompanhar alguns cachorros, que nem você.
Brincou e fez um afago no cão.
Ela fez um pedido.
- Não diga à ninguém que você me encontrou por aqui. Mais tarde estarei em casa. - E ficou séria. Desértica. Deu um forte abraço e foi fazer o seu ofício.

Desamparado e continuando a caminhada, o cachorro acordado com o toque da Ninfa, voltou a acompanhar o dono, foi andarilhando, cumprimentando desconhecidos trausentes que passavam, e M., conversava com o cachorro, pessoas viam e riam, mas era assim que M., é feliz.
Desviando numa rua e chegando aonde precisava levar o Quadro, esbarra num homem negro, alto, de feições fortes e tez séria. O homem resmunga e o xinga em pensamentos.
Continuou o caminho.
O homem, percebendo o esbarro, olha de soslaio para M., e assoviou em direção ao jovem assustado acompanhado do cachorro.
Assoviou novamente.
M., começou a gelar em seu íntimo. Os nervos começaram a inflamar. E foi ouvindo os passos mais rápidos e pesados do - Gigante Negro – devaneava ele. E uma série de imagens começou, insconscientemente, invadir a mente:
- Será que vou ser machucado? Não, não vou dar mole, vou reagir se ele me atacar! Se ele estiver armado? E se eu pegar o...
Ele preparou o quadro pra acertar o trausente que o perseguia.
Sentiu uma Mão pegando em seu ombro.
M. se virou.
- Ô, M., a su...su...sua casa é ali! Você pa...pa...passou direto! So...Sou eu, o Heros! Tu, tu esbarrou em mim e nem, nem me cumprimentou! Vo... Você tá, tá bem Guri? – perguntava, bêbado, o Gigante que além de estar embriagado, era gago.
- Nossa, que susto! Tudo...bem. – dizia, com os a alma visceralmente gelada.
M., pediu um minutinho. Foi até o muro e urinou.
O cheiro de vinho era forte. Um breve estado de torpor dominava o ar e a mente do homem negro.
Heros é um amigo da rua. E da casa também. E que engraçado! Ele era um Negro vindo do Rio Grande do Sul. Estava por ali pra fazer um complemento dos estudos em psiquiatria e trabalhando num hospital naquelas redondezas. Buscava de alguma forma em suas pesquisas, vislumbrar a Psiquê, esse Mistério, herança dos deuses, presenteado nos humanos.
Começaram a conversar. Foi passando o tempo e o torpor fora embora.
Ele era um daqueles que tentavam contar piadas, com breve infelicidade, mas, o seu carisma supria a falta de estilo de contar uma anedota, e tentava:
- “Um louco perguntou ao outro. “O que tenho aqui na minha mão?” perguntava um dos loucos com a mão fechada.
- O outro respondia: “Um elefantinho”.
- O que perguntou fez uma cara triste e gritava “Não vale!, Não vale!, Você viu o rabinho!!!”.
M., ficou sério, resolveu perguntar como é que tava a vida do conhecido.
Falaram das dificuldades que a Vida impõe. Da incerteza de enfrentar o Real e, M. numa inconsciente distração, falou do encontro que M., teve com a Ninfa.
Heros suspirou para Maíra, a Lua que estava no céu e confessou ao amigo.
- Será que ela faz eu perder o meu controle ou sou eu que faço perder o controle dela?
- Como assim? – Assustado, ouvindo o amigo.
- Deixe pra lá. Não é assunto pra você. É uma história que só eu e ela podemos resolver, mas, tenho que te confessar, eu sou muito ligado à ela.
M., não compreendia o mal-estar de seu amigo. Falava da Lua ou de alguma mulher?
Levantaram, o Gigante Negro “bateu” a sujeira das calças e caminhou com o amigo ao portão.
- Pronto, amigo. Você está em casa. Ah! E não esqueça o Quadro.
M., entra na portão e atravessa o jardim.
Heros olha para o alto novamente, percebe uma faixa e lê:
Clínica Psiquiátrica Olimpo. Terapia Ocupacional com Artes Plásticas. Venha ver as Obras de Arte dos internos. Tem Escultura, Mosaicos, Teatro e Pintura.
Lembrou uma vez quando um professor na universidade perguntou qual era a linha tênue que dividia o homem da loucura, e lembrou de Nilse, que era a única mulher do grupo, pequenina, miúda. Ela, de uma forma imponente e séria, levantou e expressou:
- Arte, é Arte Professor!
Estudou e procurou tratar seus pacientes não através de eletrochoques e todo tratamento denso que os pacientes eram submetidos, mas com paletas, argila,dando oportunidade à pacientes como M., esquizofrênico, expressar sua alma e suas sombras.
Assoviou novamente e veio Thor, o cachorro adestrado do Hospício, que trazia os pacientes que se perdiam na parte interna ou nas imediações da Clínica.
Heros sorriu. Sentiu alguém abraçá-lo por trás.
Era Ninfa.
- Encontrei ele sozinho, por isso que liguei pra você. Perdôe-me em atrapalhar o seu “drink”. Ele é tratado de esquizofrênia, e o diagnóstico foi uma “perenização do presente”, ele ainda pensa que tem seus 26 anos, quando a doença o afligiu Pensa, age, veste a roupa como um garotão. Agora ele já tem 43. Sempre perde a noção de realidade, e estava preocupada se ele se perdesse ou não achasse a “casa”. Tem mania de perseguição. Mesmo sem as crises de “surto”, ele não reconhece muito de seus amigos e parentes.
Ninfa, a enfermeira, abraçou Dr. Heros e seguiu pra ala dos pacientes de neurologia. Mas antes, foram terminar com a garrafa de vinho.

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