Wednesday, October 05, 2005

Dores e Dez Anos....

Dores e Dez Anos...

Há dez anos eu passava por um dos mais dolorosos "rituais de passagem" que um ser humano pode enfrentar. Muitas vezes nem é "enfrentar", mas sim suportar os dias que se dilatam em dor. A dor. Dor do luto.

No dia do enterro do meu avô, um tio muito querido, um negrão chamado Orlando, no cemitério, em setembro de 1995 me chamou e pediu pra eu dar a "última despedida" ao meu avô. O caixão, baixava vagamente, através das cordas - presas ao caixão - sendo soltas vagarosamente pelos braços dos filhos e coveiros. O caixão desceu à palmos que não contei se era sete ou mais. Mas, ali, enterrava a pessoa que mais amei na vida, o meu avô.

Não tive "traumas" em relação ao que
"falei" ou "não falei" ou "do que deveria ter dito e não disse", não não houve isso. Painho soube o quanto eu o amava. Lembro-me que quando fazíamos vigília no hospital, e no quarto, segurava a mão de Painho - era como o chamávamos - e ainda sedado, em estado insconsciente, percebendo que quando ia sair, ele apertava com mais afinco, misteriosamente - vai saber? - pedindo pra ficar ali.

Outrora, lembrava quando ele me olhava e via eu aprontando alguma coisa e dizia: "Bigorriiiilho, o que você tá fazendo?". Ou quando do nada, ele lendo enciclopedias - sim, ele fazia isso - e eu sorrateiramente pulava e assoprava a barriga dele. Era demais.

Dez anos...

Dois meses atrás, o meu pai - que mora em Vinheedo - teve cálculo nos rins, as pedras "estouraram", obstruindo o canal do fígado. Ficou amarelo, fraco e em observação na UTI do hospital, em Vinhedo. Fui correndo pra lá, pra ver como ele se encontrava. Quando cheguei por lá, parece que fui colocado num túnel do tempo e meu corpo e alma foi visitado por sentimentos que (re)vivi nos tempos de meu Painho. Ver ele fraco, com os olhos tristes e comendo sopa foi estranho (por acaso, é ele que me apresentou umas polentas deliciosas, a cerveja Extra-Malte, a cachaça Salinas e a boa literatura...).

Num momento quando auxiliava a esposa dele pra limpar o dreno, foi o ápice. Naqueles dias, há dez anos eu fazia o mesmo com o meu avô. Minha consciência perdeu o eixo, meu ser sentiu-se numa erupção de lembranças e naufragava num fel de sentimentos ambíguos. Fui pro quarto chorar. Ali, só pude dobrar os meus joelhos e balbuciar minhas preces, que foram sem palavras. Foi silenciosa. Pedi pro Pai Celeste ouvir o meu ser e discernir o que sentia. E ali, fiquei. O máximo movimento que fiz foi pegar a Bíblia e ler a Palavra que refrigera a alma, que abriga nos dias nublados e que meu Pai fosse aninhado pela Trindade.

Mais tarde, foi engraçado, pois o meu pai - de Vinhedo - pediu pra eu ir ao mosteiro pra "rezar por ele". Detalhe: ele é ateu. Ou se intitula que seja. Aí, começamos a conversar, eu sobre as minhas dificuldades com a Instituição - seja qual ela for, mas principalmente a Religiosa - e ele falava da dificuldade que ele tinha com a extrema-esquerda, ele é comunista. Comunista de verdade. Ele dizia que tanto a Extrema Esquerda e as Instituições Religiosas tinham um "detalhe" que ignoravam - e atropelavam - qualquer outra forma de pensamento que muitas vezes não se condizia com a ética que "pregavam". O problema que tínhamos em comum era o Dogma. E o pior: o Dogma mal-interpretado e manipulativo.

Saindo dali, fui andar. Fui buscar ambientes silenciosos, orantes. Orei muito. A conversa com Deus foi intensa. Descobri - e isso digo em outro texto - que meu "Egito Existencial" o lugar onde não consigo levantar o meu altar ou prestar o meu culto íntimo é aqui na minha casa, principalmente no meu quarto, devido as distrações e trabalho. Tenho que transformar o meu cotidiano - principalmente o meu ser - numa Bet'el, que significa Casa de Deus. Preciso abrir o meu pútrido coração pra oportunidade de desfrutar mais e mais de Deus no cotidiano. E deixar a Trindade habitar por aqui e assim, amá-Lo mais e mais quando não somente estiver em retiro mas no - muitas vezes, tedioso - cotidiano. Como os casais que fogem pra se deliciarem...assim - creio eu - tem que ser com o Amado em alguns momentos de nossa história com Ele...claro que esse mesmo Amor nutrido no cotidiano.

Em meio à dor, vendo a dor do outro, confusões anímicas, ausências e do meu mal-estar com a Morte, descobri a Vida que há quando se caminha com Deus. Sem grandes "eventos", Deus operou amizade, doação do ser e cura.

Cura. O meu pai já tá melhor. Eu ainda vou ter que chamar a Morte e conversar com ela. Sou mal-resolvido com ela. Enquanto isso, inebrio o meu frágil ser - com o Mistério, tornando-me amigo de Deus e pedindo pra que essa paternidade celestial seja desfrutada pelo meu pai também.

Creio que é isso.

Que Deus seja Abba! Em dores ou um êxtases, que Ele seja o que É!

Paz & Bem!

B.

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